Mãe, virei doutor


Era Janeiro. O ano era de mudanças e naquele momento, ele executava a mais radical de todas elas. No coração, a vontade de alcançar seus objetivos. Na mente, os planos de fazer acontecer sonhos. E na mochila, roupas bem arrumadas. Dobradas com todo o carinho e muito zelo que só aquela mãe conseguia ter. Foram dias sendo informado que a vida não seria fácil. Que a estrada seria longa. Que as pessoas seriam difíceis e que com ela, ali no quarto da frente, tudo era mais calmo. Mais seguro. Mais materno. E era. Mas ô mãezinha, você não sabia que ele era teimoso demais para ouvir os teus conselhos?
Um beijo na testa. Um eu te amo. E te escrevo. E te ligo. E to indo. E se foi.
Foi com a energia de um cão hiperativo. Com sede de vida. Se sentindo um avião. O cara sabia o que queria, mas não sabia como alcançar. O que fazer? Como fazer? Que rumo tomar? Mamãe, eu só volto quando tiver um orgulho para te presentear.
A estrada da vida é larga, porém de tão congestionada, sobra pouco espaço para os nossos sonhos. Mas ele acreditava. Os milímetros de espaço que guardavam os seus objetivos eram o suficiente para que ele insistisse na caminhada e superasse as topadas. Ele sabia ser forte até quando não era.
Ta tudo bem mãe. Fique tranqüila.
Na verdade estava tudo tão péssimo. E a saudade daquele café da manhã na mesa gritava dia após dia no seu ouvido. Mas ele queria continuar. Ele precisava. E a cada novo passo, novos rostos. Cheiros. E gostos. Teve também muitos sorrisos de arder as bochechas, daqueles que adormecem o abdômen e afogam os olhos. E essa era uma das coisas que não faltava naquele rapaz. Mesmo estando tudo negro, tudo errado, tudo incerto. Ele sorria. Até de um banho de lama. Até de trabalhos em excesso. Até da sua vida sem grana.
Tudo era motivo para pensar: “Se eu sorrir acho que melhora. E se não melhorar, a gente continua sorrindo!”. É que ele acreditava firmemente que se não melhorasse a sua situação ou o seu dia, apenas o fato de estar sorrindo, aquele feito poderia melhorar o dia de alguém que o observava.
Moleque malandro, sorriso de canto, pé no chão. Sempre descobria o melhor caminho quando ficava sem direção. O perfeccionismo de ser ele era de encher os olhos de todos que o conhecera. Coordenador de sonhos. Administrador de passos. Motorista da sua própria vida. Soldador dos seus pedaços.
Quando o peito doía, à tecnologia ele recorria. “Bença mãe! To com saudade. Já disse que só volto quando tiver orgulho para te presentear.” Rá, rá, rá! Aquela mãe não sabia se era a mais azarada, ou a mais sortuda. Viu seu filho bater as asas e só o tinha pela voz. Ô mãezinha, eu juro que ele fez por amor.

No caminho ele conheceu cores. Comprou flores. Saboreou amores. E achou dores. Foram anos. Planos. Danos. E ganhos. Ganhou experiências, histórias, aprendeu a conquistar, descobriu a riqueza que há no pouco, e o nada que há no exagero. Aprendeu que opinião, só precisa ser ouvida, não concordadaEle amou dezenas, chorou centenas e sorriu milhares. E se o lucro for de sorrisos, saiba que o investimento sempre valerá à pena.

Jaleco branco, DR no peito e estetofone no pescoço. Hoje ele é orgulho. E ele é eu. Afirmo que é estranhamente estranho escrever a sua própria história na terceira pessoa. A letra feia faz parte do charme que é ser médico. Mas a saudade de casa faz parte da dor de um homem que hoje tem um orgulho para entregar.
“Mãe arruma meu quartinho que finalmente estou voltando.”
Peguei lá no fundo do armário, a mochila que carregava meus sonhos, esperanças, ilusões e inseguranças há alguns anos atrás. Ta velhinha, mas cabe certinho o orgulho da minha mãe. To tão ansioso. Não vejo a hora de abraçá-la e entregá-la o meu diploma. Mas o que eu mais quero mesmo é receber aquele cafuné materno que só ela consegue fazer. Mãezinha, seu orgulho ta chegando. Me espera sorrindo que o seu magrelo está voltando.


Um comentário:

  1. Nossa, é um texto encantador. Parabéns, você escreve qualquer tema muito bem!

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