Perdoei mas não esqueci

Hoje quando acordei, mais uma vez me senti vazio. Tenho me sentido oco já tem um tempo, mas hoje a intensidade foi maior. Mais forte. Hoje estaríamos completando cinco meses juntos se ela não tivesse me presenteado com decepção. Seria tudo lindo. Mas ela me enganou, mentiu e fez tudo errado... Enquanto eu estava no chuveiro, pude sentir a água gelada arrepiar o meu corpo de ponta cabeça da mesma forma que ela fazia quando beijava o meu pescoço. Lembrar-me dos momentos de alegria e prazer era inevitável. Ao sair do banho, enrolei-me em uma toalha branca bordada à mão com o meu nome e sentei-me na beira da cama, de frente para o vento que saia do ar condicionado. Mil e cem pensamentos invadiram a minha cabeça imediatamente, ao longo desses pensamentos, fechei os olhos e me perdi diante a imagem dela. Saí do coma de lembranças quando ouvi a campainha tocar, só então me dei conta de que estava congelando ali. Fui até a porta e não havia ninguém do lado de fora, mas no chão, tinha um papel. Uma carta. Quando senti o papel em minhas mãos, imediatamente reconheci de quem era à letra que preenchia o CEP e remetente. Pensei em não abrir, não queria mais ilusão, porém a curiosidade para saber o que estava escrito foi mais forte que eu.

“Sei que dizer que estou com saudade, não vai adiantar e nem mudar nada. Afinal, eu não quero mudar nada. Escrevo-te agora com dor no coração e um nocaute de arrependimento. Hoje seriam 5 meses, cinco meses de uma relação que para mim, era como uma qualquer e que eu não soube dar o mínimo valor. Algo bobo e passageiro que logo chegaria ao fim. E chegou. Mas você fez questão de fazer tudo diferente, de me tratar como nenhum outro um dia já havia me tratado, de se preocupar como ninguém se preocupa comigo e de me amar como eu jamais recebera amor de alguém. Sabe, ultimamente tenho me perdido em lembranças que riscam o meu peito e me queimam por dentro. To com saudade de te acordar com beijos no pescoço, de cantar gritando no seu carro mais alto que o volume máximo do rádio ou até mesmo dos ciúmes bestas que você tinha quando eu saia com aquele top que você fazia questão de insistir dizendo que era apenas um novo estilo de sutiã. Enfim, mas só saudade mesmo. Não quero que tudo isso se repita, eu sei que não te mereço, sei que não valho nada, e sei que foi eu quem estragou tudo. As coisas estavam indo perfeitamente bem, até ele voltar. Até ele me mandar uma mensagem e eu voltar a ser aquela menina errada de antes – já que por incrível que pareça, em poucos meses você conseguiu me mudar, e muito -. Eu sei que deveria ter sido honesta como você sempre foi, mas não deu. E então começaram as mentiras, as brigas, as pilhas erradas das minhas amigas e eu fui caindo num buraco completamente fundo e escuro. Até que você descobriu, me viu aos beijos com ele e eu mal tive reação para me explicar, apenas sorri. Essa sou eu. Louca, sem medo das consequências, cheia de erros e defeitos e nada daquilo que um dia você imaginou que eu fosse. ‘Certinha’ nunca esteve presente no meu dicionário. ‘Santa’ muito menos, e o perigo? Eu rio na cara dele. Já disse que não vou mudar, eu sou assim. Mas você não merecia ter me conhecido, não merecia ter passado pelo o que eu fiz você passar. Você é um homem bom, de coração grande e sonhos do tamanho do mundo. É o cara que faz qualquer pessoa viajar debatendo sobre coisas antigas, e, por incrível que pareça com você Esse assunto não é chato. É o homem que fala com verdade nos olhos, te encarando nos olhos. Lábios doces, que pronunciam palavras sábias, jeito desajeitado que agrada a todos, um pentelho muita das vezes e o cara maduro que ainda derrama sorvete na camisa. Ah, e quase ia esquecendo. Ciumento. Não exagerado, apenas sabe cuidar do que é seu, e cuida muito bem, diga-se de passagem. Enfim, não é motivo de comemoração, mas estou aqui para te felicitar e agradecer esses cinco meses que estaríamos juntos, durou só quatro mas foi bom o suficiente para eu manter viva na minha memória todas as vezes em que pausávamos o filme para conversar sobre coisas ‘nada a ver’ que vinha à tona no momento. Desejo-te felicidade, muita felicidade. Que você encontre alguém como você para conseguir te retribuir todas as coisas maravilhosas que você tem o dom de proporcionar a uma pessoa. Se cuida.”

Ao terminar de ler a carta, eu não sabia se sentia raiva por ela ter sido tão cara de pau de me escrever, gratidão por ela ter reconhecido o seu erro e ter me dito coisas lindas ou vontade imediata de pegar o meu carro e correr para a sua casa, disposto a esquecer de tudo e recomeçar do zero. Mas não dava. Esse não sou eu. Eu sou um cara determinado e orgulhoso – e meu orgulho muita das vezes é bem maior que a minha vontade de ‘deixar para lá’-, que não costuma enxergar maldade no Fulano, muito menos no Sicrano. E são justamente esses dois que me fazem quebrar a cara e desacreditar na possível verdade do Beltrano. Não dava para simplesmente dar um Shift+Delete da minha memória e reinstalar o programa de felicidade que vivíamos. Ela mentiu, jogou tudo no lixo, me decepcionou de tal forma que não tinha como voltar. E com certeza ela não estava disposta a mudar, como disse na carta. Pelas palavras dela – que me pareceram sinceras -, ela até conquistou o meu perdão, mas perdoar não é esquecer. De fato, ela não era nada do que eu um dia imaginei que fosse. Então o melhor a ser feito era colocar o papel de volta no envelope, guardar no fundo da gaveta e seguir para o meu trabalho que por sinal, eu já estava bastante atrasado.