Fotografias: As maiores e melhores lembranças que temos da vida estão nelas

Aqui estou eu, analisando calmamente estas fotos. Fotos que eu nem lembrara mais que algum dia havia existido. Papeis com registros de momentos alegres de uma relação pouco duradoura, porém muito feliz. Jamais poderia imaginar que uma faxina repentina no meu quarto, me faria acha-las dentro de uma caixa de presente – que até ontem, eu podia jurar que só guardavam CDs antigos em cima do meu guardaroupas -. E então estavam ali, várias delas. Várias de nós. Umas grudadas sobre as outras por culpa do tempo que ficaram esquecidas. E, apesar de ambientes diferentes, todas tinham algo em comum. O sorriso dela. Um sorriso simples, branco e perfeitamente aberto. Sorriso de gratidão e satisfação.

Em meio a móveis fora do lugar e um vento de poeira sobre o ar – que com muito sucesso me tirava vários espirros por causa da sinusite -, eu estava ali, sentado no chão com o corpo encostado no criado-mudo. A cada detalhe das fotografias, eu parecia voltar a 10 anos no tempo. Era capaz até de sentir o vento que batia naquela praça em uma tarde de Agosto e, com muito esforço, ouvia de longe a gostosa gargalhada que ela soltava zombando da minha falta de habilidade para bater uma foto sem flash durante o dia. Estando assim, gastando várias poses do filme de 24. Que sensação boa, que nostalgia maravilhosa. 50 por cento do verso das fotos havia frases escritas à mão com uma letra cursiva, linda e extremamente delicada.

Em outra, podia admira-la em pé, de braços abertos - imitando o Cristo Redentor – e olhos fechados na frente de um chafariz, deixando a ponta o laço vermelho que cobria sua cabeça - já sem cabelo -, voar com o vento. No fundo do canto esquerdo da foto, pude notar o carrinho de pipoca e algodão doce do seu Moacir, que todas as tardes – até hoje - fazia a alegria da criançada. E, enquanto todas as outras pessoas admiravam o monumento e atiravam suas moedas para fazer um pedido, ela estava lá, de braços abertos como se nada estivesse acontecendo. Ousada. Desinibida. Corajosa. Essa era ela. Sorri sem descolar os lábios quando vi que no lado direito da imagem, estava uma imensa bola laranja. Metade do meu dedo. Dedo esse que rendeu uma grande irritação a ela quando fomos revelar. “A foto teria ficado perfeita se você não tivesse colocado esse dedo gigante na frente.” Podia ouvir sua reclamação de longe, também.

E, enquanto eu me perdia no meio de belas paisagens, sorrisos e até mesmo fotos das nossas caras de sono ao amanhecer. Pude ver a última delas. Aquela foto, de fato, não me trazia boas lembranças. Era eu. Sentado na poltrona de um quarto de hospital, com a mão no rosto fazendo gesto para que não tirasse a foto. “Vai, olha pra mim e sorri que essa é a última do filme!” Foi o que ela disse. Pude sentir criar-se água em meus olhos. Aquele foi o dia em que demos o nosso último beijo, o nosso último sorriso juntos e o dia em que pude sentir o seu último aperto de mão sobre a minha, após me agradecer por todos os dias lindos que vivemos juntos nos últimos meses. E então ela se foi. Seu coração parou de bater logo em seguida. A última cena que tenho guardada na mente daquele quarto, é de médicos e enfermeiros me tirando de lá enquanto preparavam equipamentos de reanimação. Que foram em vão. 

Ela tinha câncer. E estávamos juntos há 10 meses. Quando descobrimos, foi um choque, mas naquele dia eu me senti responsável por fazer dos seus últimos dias, meses ou até mesmo anos – se tivesse sido possível -, felizes. E acredito-me, que consegui. E fico orgulhoso por isso. Levei muito tempo para superar a sua perda, ou talvez nem tenha superado, a dor apenas se congelou no meu peito. Ela foi e sem rastros de dúvidas, sempre será o grande amor que já tive na vida. Mas já se passara muito tempo desde que me perdi relembrando estes momentos de alegria e dor. É hora de levantar, enxugar as lágrimas do rosto e continuar essa faxina, pois ainda há muito trabalho pela frente.